Em poucas ocasiões, como afirma o professor Fernando Henrique Cardoso em uma carta aos eleitores que li há poucos dias (eu o chamo assim porque o conheci na Faculdade de Filosofia da USP, bem no início dos anos 60, assistindo às aulas suas), vimos condições políticas e sociais tão desafiadoras quanto as atuais. Mudanças básicas de escolhas eleitorais são possíveis, para o bem ou para o mal, a depender da escolha de cada um de nós. E a escolha de um salvador da pátria ou de um demagogo, mesmo que bem-intencionada - diz ele -, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política. Como disse recentissimamente Antonio Carlos Magalhães Neto, em nenhuma eleição nossa opção haverá de ser entre uma prisão e uma facada! Essa escolha seria expressiva dos extremismos que nos invadem, tomam conta dos nossos eleitores hoje, aqui, agora, entre nós. O risco que estamos a enfrentar decorre da opção que nos resta - muitos pensam assim - entre o medo e o medo.
O medo é o estado emocional que toma conta de nós quando somos compelidos a enfrentar um extremo político ou outro. Assim ou assado, no sentido de que despencaremos deste ou daquele lado, não importa qual. O momento histórico que vivemos traz à minha memória duas frases incisivas, uma do velho Esopo - "muitos, por medo, não hesitam em beneficiar aqueles que os odeiam" - outra de Franklin Roosevelt - "a única coisa que devemos temer é o próprio medo". Pior de tudo é que hoje, aqui, agora o ódio está como que a nos conduzir à opção entre o medo e o medo. A ponta de lá e a ponta de cá do precipício populista decorrente do confronto entre líderes que se afirmam à margem deste ou daquele partido político, seguros de que os eleitores que não gostam do outro votarão na sua outra face e vice-versa. Um despenhadeiro terrível na medida em que os extremos se tocam. Lá, no ponto em que os dois estão, despencaremos.
Pois as pontas dos opostos são os extremos de si mesmos. Por conta disso, estou convencido de que é necessário escaparmos dos extremismos. É imprescindível buscarmos uma alternativa à polarização entre os populismos, na esperança de que a prudência nos ilumine, e esse abismo não nos leve ao fundo do poço. Sermos prudentes, no sentido atribuído à prudência por Aristóteles na "Ética a Nicômaco": prudente é o ser humano capaz de deliberar corretamente sobre o que é bom e conveniente para si e para todos, considerando as coisas que conduzem à vida boa em geral; a prudência é uma virtude, capacidade que permite ao ser humano discernir o que é bom ou mau para todos. Prudência é serenidade, virtude da qual desfrutamos independentemente da nossa idade. As crianças de hoje em dia volta e meia me surpreendem. Concebem o mundo no qual estamos como que inserido no universo da harmonia entre todos.
Um universo de paz, não de disputas e confrontos desdobrados do egoísmo e da vontade de aparecer de cada qual. "Um por todos, todos por um", como afirmavam - qual escreveu o velho Alexandre Dumas - Athos, Porthus, Aramis e D'Artangnan! Mas os três mosqueteiros eram quatro! O que os unia deveria também hoje, aqui, nos unir. Não somente aquele grito - "um por todos, todos por um" -, mas um olhar para o todo social, a fusão dos ideais de cada um aos de mais um, mais um, mais um... Até o todo que a serenidade da prudência pode/deve construir. O que dirão de nós, no futuro, os que deitarem o olhar sobre a História que estamos a construir. Que perecemos nas falésias a que me referi linhas acima ou que resistimos à tentação dos extremos? Essa resistência nos permitirá repetirmos aquele verso de um belo poema de Álvaro Moreyra, "quando eu morrer, com certeza vou para o céu; uma cidade de férias, férias boas que não acabam mais".
Lá chegaremos se a prudência, serenamente, determinar nossas escolhas. A esperança que deposito sobretudo nos mais jovens me dá a certeza de que superaremos o medo e o ódio que andam por aí, reconstruindo nossa pátria amada.